Assim como
cada variação de tom do círculo cromático das cores equivale à uma frequência
especifica do espectro de ondas perceptíveis aos cones do olho humano, as notas
musicais como às conhecemos pela música também são ondas que oscilam em frequências
perceptíveis à audição cóclea humana. Na história de todos os povos, o som e a
imagem foram propagados nas diversas culturas, e em cada uma delas a música
também esteve presente.
Desde as primitivas emissões guturais dos primeiros
seres humanos à verbalização de línguas vernáculas, a voz foi um instrumento
tocado pela história da humanidade, sendo também o principal meio de comunicação
dos seres humanos. Além de sua função no acasalamento e na reprodução das espécies,
a diversidade de vozes serviu de alicerce para formação das sociedades e das
redes de relações entre os povos e as culturas.
Devido à inerência
das manifestações artísticas às relações culturais e sociais de um contexto
histórico, o acesso a música de uma cultura nos permite imaginar e imergir
momentaneamente em uma realidade que existiu ou ainda existe, e é na percepção sonora
que supostamente alojamos o nosso conhecimento e os significados atribuídos ao
que ouvimos.
O uso da
música em rituais das civilizações mais antigas do mundo, presentes na Mesopotâmia,
no Egito, no norte da Índia e na China, exaltava seus deuses pela fertilidade
nas colheitas (a palavra cultura
remete à ação de cultuar, cultivar). Os gregos fizeram seu uso na tragédia e na
filosofia, que buscaram relações em seus estudos, entre a música e a compreensão
da natureza do universo.
Na Idade
Média, o surgimento da nomenclatura das notas músicas, atribuída a façanha do monge
italiano Guido D’Arezzo em sua homenagem à São João Baptista, é um exemplo de
como o monopólio intelectual da Igreja Católica na sociedade medieval fez com
que as produções artísticas seguissem a moralidade vigente, e a produção sonora
enquanto instrumento de catequização surtiu um impacto na difusão da música do período.
É neste momento que as entidades eclesiásticas medievais retornam aos antigos
textos gregos para entenderem a filosofia da “música universal”.
Pitágoras
relacionou o estudo da música à astronomia. O filosofo acreditava que o Sol, a
Lua e os planetas, percorriam em órbitas esféricas em volta da Terra, e faziam
o universo vibrar criando uma música das esferas e assinalando a existência de
uma harmonia no universo. Chegaram à conclusão como haviam previstos os
filósofos: os modos surtiam efeitos “éticos” e podiam despertar emoções no
ouvinte. Por exemplo, o modo dórico
expressa o etos nobre, tranquilo, enquanto o modo frígio, o etos entusiasta e animado. Há uma história que conta que
Pitágoras acalmou um jovem agitado de tendências violentas ao mandar o
flautista passar de um modo para outro. Deste modo, foi assim que surgiu a
teoria dos afetos sobre a música, explicando os efeitos causados num ouvinte a
partir de uma noção funcional na estética sonora.
Com o
surgimento da imprensa tipográfica e da gravura, a reprodução de textos e
imagens permitiram às culturas o registro do conhecimento de seu tempo e produções
artísticas, em reproduções que também transmitiam os ensinamentos dos
antepassados. Livros, gravuras, esculturas, telas e partituras engendram o
conhecimento de uma época e a necessidade de uma atenção à materialidade das
obras para um melhor entendimento da história. O alcance das obras visuais, literárias e
das composições sonoras tornaram-se imensuráveis na era da reprodutibilidade
técnica.
Os meios
atuais de comunicação são adventos tecnológicos que inovaram as possibilidades
de produção e de difusão de obras. A instantaneidade demonstra a velocidade que
percorre a informação no mundo globalizado. O crescimento do acesso aos dutos
da informação, via aparelhos eletrônicos industrialmente projetados como
mercadoria, reflete os interesses de uma realidade que afirma o consumo.
É ingenuidade achar
que o avanço da ciência e da tecnologia não possuem vínculo com interesses
lucrativos. Por trás de todos os conflitos bélicos e guerras mundiais, houve um
impulsionamento de pesquisas e o surgimento de inovações no campo cientifico,
principalmente diante das situações críticas vividas nestes períodos. A química
foi aprimorada pela sua utilidade nas trincheiras, a física desenvolveu usinas
e bombas nucleares, a medicina serviu às atrocidades nos campos de concentração.
A disputa por território e por recursos parece ser um problema insolúvel na
história, e que parecem se agravar numa sociedade globalizada e consumista.
No dia 6 de
agosto de 1945, às 08:15 (horário de Hiroshima), o pequeno garoto e seus 64kg
de Urânio-235 demoraram 44,4 segundos para aterrissar. Enola Gay (o avião
bombardeio) viajou alguns quilômetros antes de ser atingido pelas ondas de
choque da explosão. A bomba H caiu sobre um hospital. Três dias depois, o homem
gordo e seus 6,4kg de plutônio pousam em Nagasaki. Em 15 de agosto de 1945 o
Japão se rende, assinando os papeis de rendição a bordo do convés de um navio americano,
dando um diplomático fim à Segunda Guerra.
O surgimento
da pop art na década de 50 expandiu ainda
mais a noção das possibilidades de produções artísticas, o impacto em um número grande
de pessoas em um curto intervalo de tempo ainda revela as fronteiras entre as
inovações estéticas e a massificação. Por um lado, o acesso aos instrumentos e materiais permitem a criação autoral, advinda de qualquer pessoa que busque produzir de
forma independente. Por outro, uma indústria fonográfica que estabelece tendências
com a finalidade lucrativa sobre os interesses de consumo alheios, estipulados pela mídia
e pela propaganda que são financiadas pelos mesmos que fomentam o consumismo. A
falsa hegemonia vendida nos produtos alimenta e impõe personalidades induzidas,
e que busca sempre instigar quem consome a consumir mais e mais e mais.
Nesse âmbito,
as produções artísticas estão condicionadas à pós-modernidade, as obras não
dependem somente delas mesmas para se comporem. O campo ampliado expandiu e
questionou o cabimento da palavra
escultura. O termo espectador já
não comporta mais quem integra a percepção e a interação com uma obra. A música eletrônica é manipulada
compulsoriamente nas manifestações culturais e sonoras contemporâneas.
A música pop
de hoje é notável pela popularidade a nível global de muitas melodias, mesmo que algumas sejam enquadradas como mainstream, ainda possuem
melodias que cativam e agradam ao gosto de muitos ouvintes. Embora seja pouco
falado, o millennial whoop está
presente em muitas dessas músicas que provavelmente já ouvimos e que gostamos
sem saber. A cadencia de notas que alternam entre as 3ªs e 5ªs notas de uma
escala maior, está presente em muitas músicas conhecidas mundialmente na
atualidade, e pode ser observado num padrão empregado em diversas canções da música
pop dos dias atuais.
Essas são
todas características que reverberam o nosso mundo, mas será que este mesmo mundo no
qual vivemos hoje é o retratado pela arte? Se a arte expressa uma realidade, será que
a arte que estamos convencionados à olhar e a ouvir expressa mesmo o que
sentimos em relação à realidade que percebemos? Será que não há nenhuma interferência
nas ondas que captamos? E se as informações do conteúdo que consumimos forem
manipuladas? E se as imagens e sons que nos atingem forem todos programados
para nos condicionar? E se a música que você gosta estiver sendo usada para te controlar?
Assinado,
T.
Acadêmico: Yan Kimura