Olá leitores. Aqui estamos novamente para reiterar nossa primeira publicação. Como vocês podem ver, se trata de uma imagem visual digital figurativa, a qual proporemos – conforme prometemos – alguns meios de leitura. Leitura? Sim, pois imagens podem ser lidas, tal como textos. Imagens visuais são configurações sígnicas, passiveis de decodificação, como fazemos quando relacionamos as palavras de um texto a um significado. Como este assunto dá pano para manga, passemos ao prometido, reservando esta matéria para futuras publicações.
A imagem em questão chegou ao nosso conhecimento pelo meio mais rápido de divulgação, a internet, na qual maior parte da sociedade mundial tem acesso, onde artistas podem criar e recriar trabalhos e colocá-los á disposição de milhões de pessoas sem precisar de um espaço físico para sua exposição. Iremos analisar esta imagem pelos elementos visuais que a compõe, bem como pela sua importância dentro do contexto histórico no qual foi produzida. Além de explorar o conteúdo da imagem em si, devemos contextualizá-la histórica e socialmente de acordo com o momento no qual ela foi criada, a fim de compreendermos as motivações criativas envolvidas em sua produção.
Nossa imagem de autor anônimo trabalha um dos elementos da candidatura presidencial de Barack Obama nos Estados Unidos da América em meados de 2008. Neste período o país se encontrava em meio a uma recessão econômica mundial diante dos resultados da ineficiência das investidas militares no Afeganistão. É nesse cenário que Barack Obama concorre a presidência americana, criticando as políticas econômicas e militares internas e externas do então Presidente George W. Bush. Em sua campanha presidencial Obama utilizou um slogan simples, porém forte: Yes, we can! (Sim, nós podemos) que se tornou o hino e a motivação moral do povo americano. Há aqui a proposição de um diálogo ente o século XVI e a atualidade. O presente é evidenciado pelo próprio suporte da obra, de caráter digital, onde o uso de tecnologias como o computador, a maquina fotográfica, tablets, softwares de manipulação de imagens, entre outras mídias compõem um campo amplo de possibilidades para a expressão artística. E o passado pela figura icônica na história da humanidade, o artista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519). Sobre esse contexto, sugerimos então, a América do Norte como local de produção da imagem e a figura do artista italiano como uma releitura do cenário político-econômica atual. O cartaz da campanha retrata o herói americano, um simples homem que tem como dever salvar a pátria. Podemos equiparar o homem polivalente da renascença que descobre a sua força no conhecimento e o primeiro presidente negro da maior potencia mundial que obtêm o poder de uma nação.
Da Vinci foi um grande representante do Renascimento, período este que se destaca pelo renascer da consciência do homem para si mesmo, afastando-se dos pensamentos teocêntricos dominantes da Idade Media, onde o divino era o centro do universo e a razão do mundo. O homem então passa a se questionar sobre a natureza e sobre si mesmo, tentando compreender o mundo através do conhecimento empírico. Leonardo é uma compilação de arte e ciência em um único indivíduo, tendo sido pintor, inventor, engenheiro, arquiteto, escultor, anatomista, matemático e musico – ou seja, artista e cientista. Produziu em várias áreas como, por exemplo, na pintura – exemplos: La Gioconda[1], Leda, Dama do Arminho, Madonna Litta, Anunciação, A Última Ceia, Ginevra de Benci, São Jerônimo, Adoração dos Magos, Madona das Rochas, Retrato de Músico, São João Batista, Madona do Fuso, Leda e o Cisne –; na ciência com estudos de anatomia humana – estudos do tronco, dos membros, do olho, da embriologia e pregnância –; na arquitetura com projetos para cidades de níveis ideais, circulação de pessoas e carruagens, sistema de abastecimento e saneamento; na engenharia mecânica com protótipos de helicópteros, tanques de guerra, canhão de três canos, engenhos para mergulho submarino, máquinas voadoras, máquinas escavadoras, isqueiro, paraquedas, besta gigante sobre rodas, máquinas a vapor, pontes, calculadoras entre outros. Sendo assim, “Leo” é contemporaneamente considerado um grande gênio da humanidade.
Por retrabalhar uma referência imagética existente, chamamos nossa imagem de releitura, pois estabelece uma possibilidade criativa variada em relação a uma produção anterior. Conforme Barbosa (2005), a releitura pode modificar a temática e manter a linguagem utilizada em uma obra, citar obras, se apropriar de imagens, entre outras atividades re-criativas. Entretanto, é importante ressaltar que releitura não e cópia, pois realiza o trabalho negativo da obra – pois não é a obra – retornando a ela em forma de referência, ou como o radical de uma palavra, presente em outra.
Na releitura em questão, um dos auto-retratos de Leonardo da Vinci é (re)apresentado por uma técnica de efeito visual que lembra o cartaz da campanha de Obama. Podemos identificar como elementos visuais da releitura a presença do artista enquanto personagem, a combinação das cores quentes e frias que remetem às da bandeira estadunidense (branco, vermelho e azul), e a utilização da linguagem escrita, onde lemos ART SCIENCE (Arte Ciência). A imagem também remete visualmente, a algumas produções de um movimento artístico da história da arte na pós-modernidade, a Pop Art. Na Pop Art – movimento que teve grande expressividade nos EUA e como principais expoentes os artistas norte-americanos Roy Lichenstein (Nova Iorque, 27 de outubro de 1923 — Nova Iorque, 29 de setembro de 1997) e Andy Warhol (Pittsburgh, 6 de agosto de 1928 — Nova Iorque, 22 de fevereiro de 1987) – tem entre suas características o jogo de luz e sombra, cores fortes, imagens que expressam crítica e ironia. Deste modo, em nossa releitura, poderíamos pensar, por meio disto, na presença de uma irônica crítica à cultura de massa, pela tentativa de realizar uma releitura a partir de uma imagem de caráter promocional, de divulgação política? Seria o mesmo tom irônico da Arte pop, presente nas Marilyns de Andy Warhol?
O slogan presidencial (Yes, we can!) joga com a questão da afirmação de uma possibilidade desacreditada, onde a grande maioria dos eleitores norte-americanos encontrava-se descrente sobre sua nação: surge então, uma luz no fim do túnel, que seria o heróico candidato redentor Barack – um tanto “romântico” e “sugestivamente poético”, o caro leitor não acha? Pois é, a releitura da qual falamos também brinca, nos mesmos termos. Onde leríamos Yes, we can! temos as palavras “ART” e “SCIENCE” dispostas em uma convergência de 90 graus. Estaria sendo proposta a possibilidade de convergência entre estas disciplinas? Pelo que brevemente apresentamos sobre Leonardo da Vinci e sua obra, poderíamos pensar a utilização de sua imagem na releitura, como sendo a própria expressão da possibilidade da união pessoal entre arte e ciência. Haveria, de fato, essa possibilidade a qual aqui pensamos que da Vinci expressa? Esta, como é uma questão que já rendeu e ainda rende alguns milhares de páginas escritas em livros, dissertações e teses, fica a ser respondida pelo leitor, guiado por suas experiências (práticas e/ou teóricas) pessoais. Consideramos as leituras como abertas e diretamente relacionadas à experiência do receptor como diz Umberto Eco (2008), e “abertas” em vários graus e possibilidades.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação contemporânea: Consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.
ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
GOMBRICH, Ernst Hans. História da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
GOMBRICH, Ernst Hans. História da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
LIESEN, Maurício. Navegando na ciberarte: notas sobre arte e imaginário na contemporaneidade. Revista Eletrônica de Ciências Sociais. N°8, março de 2005, pg. 71-94.
OSTROWER, Fayga. A Grandeza Humana: Cinco Séculos, Cinco Gênios da Arte". Rio de Janeiro: Editora Campus.
[1]Auge da técnica de pintura no Renascimento, contemplando chiaroscuro e perspectivacientífica.
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