Memórias de um lugar chamado Terra: a esperança dentro de uma pequena caixa
Vivemos em tempos controversos. As verdades que construímos tiveram sua credibilidade abalada e se revelaram apenas imagens frágeis e ilusórias em um espelho quebrado. O que chamamos de lar, um “pálido ponto azul” no espaço, destruímos com nossas próprias mãos. Vivemos adoecidos. Rasgamos nossa pele a procura de quem somos e tudo que encontramos foi o vazio que carregamos. Tudo que temos cabe em uma pequena caixa de lata enferrujada, a que lançamos ao desconhecido mar do universo, junto de uma coisa chamada esperança.
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Em um desejo de compreender o universo e alcançar o que se encontra além de nossa civilização, o Projeto Pioneer lançou duas naves espaciais - a primeira em 1972 e a segunda em 1973 - para fora do Sistema Solar. Nomeadas como Pioneer 10 e Pioner 11, essas sondas carregavam não só o objetivo de exploração planetária, como também um par de placas metálicas com mensagens pictóricas gravadas em suas superfícies, apresentando a figura humana, as informações sobre a localização e a temporalidade dos remetentes. “Onde estamos, quando estamos e quem somos” são as três mensagens principais que Carl Sagan, um dos principais cientistas envolvidos, destacou para essa tentativa de aproximação com os seres extraterrestres, caso as naves fossem interceptadas.
Mais tarde, um outro programa intitulado Missão Interestelar Voyager também lançou duas naves, a Voyager 1 em 2004 e a Voyager 2 em 2007, para além da Heliosfera. Nessa missão, ambas as naves foram acompanhadas de discos fonográficos contendo sons e imagens que mostram a diversidade de vidas e culturas no Planeta Terra. Ao relatar sobre os Discos de Ouro da Voyager no livro Murmúrios da Terra (1978), Carl Sagan versa sobre a aspiração de comunicar os modos de vida e as culturas de seu tempo às civilizações posteriores e às vidas extraterrestres, por meio dos discos acoplados às naves. Os diálogos interestelares, conforme Sagan (1978) se dariam por intermédio da Ciência, considerada pelos cientistas organizadores do projeto como uma linguagem em comum com outras civilizações externas. Além disso, os propositores dos discos da Voyager interseccionam os conhecimentos científicos às expressões artísticas ao selecionarem uma coletânea de músicas diversificadas, somadas a sons e imagens que remetem a pluralidade de vida na Terra.
Considerando essas iniciativas de projetar-se para o além, dentro da história da humanidade e a proposta avaliativa da disciplina Arte e Ciência: diálogos interdisciplinares I, ministrada pelo professor Marcos Cesar Danhoni Neves, realizei uma produção audiovisual composta por um arranjo entre imagens e o som da pulsação cardíaca ao fundo. O processo criativo desse vídeo artístico teve como enfoque as reflexões acerca do ser humano e da sua existência no Planeta Terra, contemplando o ciclo de vida, as paisagens, a passagem do tempo, as memórias e as subjetividades construídas.
Figura 1: Frames do vídeo. Arquivo pessoal.
Ao voltar-me às palavras de Sagan sobre “Onde estamos, quando estamos e quem somos”, entendo que, apesar dos avanços científicos e tecnológicos alcançados, ainda compreendemos muito pouco sobre nossa pequena existência dentro do vasto universo. Somos habitados pela fragilidade do nosso ser e pelo desconhecido que tornam a frase acima nebulosas e indagadoras. Além disso, acompanhamos um percurso humano marcado, muitas vezes, por contradições e movimentos destrutivos que atentam à própria vida das pessoas, de outros seres vivos conterrâneos e da Terra.
Não obstante, também carregamos conosco a esperança de algo. Essa esperança pode ser associada desde às coisas pequenas que almejamos em nosso cotidiano, até as investigações mais ousadas e revolucionárias como aquelas observadas nas correspondências entre Galileu Galilei e Cigoli, nos livros O CODEX Cigoli-Galileo: Ciência, Arte e Religião num enigma copernicano (2015) e O CARTEGGIO CIGOLI E GALILEO: A troca de correspondência entre o artista de Florença e o físico de Pisa (2015). Ao realizarem os estudos da lua em um diálogo entre Arte e Ciências, Cigoli e Galileu vislumbraram nas crateras descobertas sobre a superfície do astro, uma nova concepção para compreender as engrenagens do universo, do planeta em que vivemos e nossa existência dentro dele. Também nesse período, o artista Andreas Vesalius inovou o estudo acerca da anatomia ao demonstrar com suas próprias mãos as partes do cadáver aos alunos, questionando assim uma tradição enclausurada em um saber teórico distante da experiência física e da produção (KICKHÖFEL, 2003) . Ainda sobre as investigações e estudos da anatomia humana na arte renascentista, Leonardo da Vinci desenvolveu uma ciência visual a partir de seus desenhos, com uma nova interpretação da filosofia natural e perseguiu em seus traços o ânimo da vida, a força causadora dos movimentos de um corpo.
Figura 2: Montagem de fotos com os frames do vídeo. Arquivo pessoal.
O que moviam essas figuras em suas trajetórias de busca e conhecimento a ponto de contrariar a maré e refutar os paradigmas herdados de outros tempos? O que leva Sagan e outros cientistas a lançarem naves com mensagens sobre a nossa civilização? Seria a teimosia, a curiosidade, a atração pelo desconhecido? Até aqui, nos baseamos sobre as referências de relações entre os conhecimentos científicos e artísticos, mais especificamente das vertentes visuais, contempladas na disciplina, mas podemos estender essas perguntas para outras esferas de nossas vidas, de nossas culturas, modos de ser, pensar, agir e sentir. O que move o ser humano? O que move cada um de nós todos os dias e em nossa breve existência? Afinal, não buscamos justamente responder a essas indagações que nos acompanham sobre nós mesmos? Dentre essas e tantas outras perguntas suscitadas por nós, me arrisco a dizer que é na esperança que encontramos nossa força motriz e nossas pulsações.
Figura 3: Caixa de lata onde conteria um dispositivo com o vídeo criado. Arquivo pessoal.
Link para acessar o vídeo:
https://photos.app.goo.gl/pvFkcSsECqjww3BcA
REFERÊNCIAS
KICKHÖFEL, Eduardo Henrique Peiruque. A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a ciência moderna. Scientiæ studia, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 389-404, 2003.
KICKHÖFEL, Eduardo Henrique Peiruque. A ciência visual de Leonardo da Vinci: notas para uma interpretação de seus estudos anatômicos. Scientiæ studia, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 319-55, 2011.
SAGAN, Carl (org). Murmurs of Earth: The Voyager Interstellar Record. New York: Ballantine Books, 1978.
SILVA, Josie Agatha Parrilha da; NEVES, Silva e Marcos Cesar Danhoni. O CODEX Cigoli-Galileo: ciência, arte e religião num enigma copernicano. Maringá: Eduem, 2015.
SILVA, Josie Agatha Parrilha da; NEVES, Marcos Cesar Danhoni; NARDI, Roberto (org). O CARTEGGIO ENTRE CIGOLI E GALILEO: a troca de correspondência entre o artista de Florença e o físico de Pisa. Maringá: Eduem, 2015.
VIANA, Guilherme. Carl Sagan - As placas Pioneer. 2020. (53s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qgqsR8_wg7c>. Acesso em: 08. jan. 2021.
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