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domingo, 12 de fevereiro de 2017

TADUS: Capítulo 03


O terceiro capítulo de Tadus apresenta-se como uma crítica a divisão fixa apresentada nos outros dois capítulos sobre a organização social e a produção humana atual.  Faz isso justamente retornando para o mundo antes dessa forma de organização, trata-se de um movimento que busca explicitar a não naturalidade da condição humana, que procura desmistificar o capital como meio universal de se estabelecer  relações de trabalho ou de qualquer outra ordem social entre os humanos. Se os dois capítulos anteriores falam sobre o presente, as questões humanas atuais, o Capítulo 03, ao retornar para o passado respondendo como e porque o presente se constitui deste modo específico, pretende apresentar uma perspectiva para o futuro da humanidade.

O conceito e execução da obra são de autoria dos acadêmicos Lucas Men Benatti, Odonias Souza de Santos Junior e Rafael Carvalho de Almeida.


Era uma vez um dia. Era uma vez um... Sim, um dia. Ele veio. Ele chegou como quem não queria. Chegou. Sim ele chegou! E sorriu. Divertia-se as minhas costas e eu que nada mais podia fazer. Eu que me encontrava encarcerado. Era uma vez um dia. Um dia em que o céu amanheceu negro. Pesadas nuvens de gases mortíferos. De gases cósmicos. De gases fétidos e radiativos. Brilhavam na negritude dos mortos e por sobre os vivos. E despejava. Chorava. Corria como um rio tuas lágrimas ácidas de fogo e fel por sobre as cabeças raspadas dos homens na terra. Era uma vez o dia que não se levantou. Não se levantou. Negava-se a obedece-lo. Ingênuo como eu, acreditava poder detê-lo. Não, não podia e foi domado. Foi tomado. Foi subtraído. Transformado. Era uma vez a morte fria e vazia que contemplava o animal marcado pelo azul e pelo vermelho. Apenas aguardava teu despertar. Apenas imaginava pobre coitada. Apenas imaginava. E a morte sorria. Sorria satisfeita com seus novos dentes. Sorria satisfeita com seu novo corpo. Ingênua. Ingênuo como eu fui e como o céu foi. Não tardou ele a subjugá-la e aprisiona-la nos confins da realidade sem real.
Era uma vez um animal magro. Viam-se teus ossos por sobre a pelagem falha. Era uma vez um animal que usurpou-me o manto. Iraram-se os deuses sem poder toca-lo. Iraram-se os anjos sem poder toca-lo. Iraram-se os monstros do bosque sem poder toca-lo. Não tinham mais poderes. Ingênuos ele os matara. Não mais existiam. Era uma vez... E então o animal sonhou! Sonhou que o beijava. Beijou-os. Não esperou que o dia nascesse. Criou tua própria luz, teu próprio dia, teu próprio Sol. Contemplou-os. Destruiu todas as amarras do passado. Secou todas as raízes e em sete dias tudo estava remodelado. Criara a perfeição. Criara a sua perfeição. E eu apenas observava... Restara a mim apenas a impotência do observador.


Devo-lhes dizer que quando o Universo desfazia-se em mil a brilhar... Quando caminhava pelo espaço, entre planetas, entre astros, entre cometas, entre estrelas e por entre todo o cosmo... Havia um viajante... Alguns diziam que era apenas um louco vagabundo... Outros um sábio que perdera-se de teu reino. Com tua lábia encantava a todos. Dobrava-os com teus versos, aconselhava-os, reconfortava lhes... Tuas palavras não permitiam que sentissem dor, que sofressem enfermidades, que delirassem... Que odiassem... Mesmo os homens que como rochas não sentiam... Não tocavam... Não amavam... Ouvia-o. Quando abria tua boca, todos calavam-se para ouvir o que dizia. Quando escrevia todos paravam para ler. Porém, o Viajante sonhava com o mundo dos humanos. O mundo dominado pelo homem. Sonhava com o calor das mãos humanas, o ardor dos corpos...
Um dia partiu e uma vez entre os humanos, o céu era negro e raios em tempestades o atingiam e o fazia em chamas. As mãos e os corpos humanos eram frios e profanadores. O Sol não mais existia, estava encoberto. Nunca viu o Sol e morrera velho, doente sem nunca saber como ele era. Diziam muito... Diziam e não cansavam de dizer... Verdades? Mentiras? O tempo nunca permitiria alcançar a realidade... Havia brilho! Havia calor! Mas eram artificiais. Brilhavam sem luz. Eram quentes sem calor. O Viajante não mais poderia regressar a teu reino! Quando falava ninguém mais ouvia. Quando escrevia ninguém mais lia. Não sabiam ouvir. Não sabiam ler. Não queriam ouvir. Não queriam ler. Não se importavam com o que dizia. Não se importavam com o que escrevia... Sofreu, padeceu, envelheceu sem poder fazer... Sem poder nada... Sem poder. Era apenas um Viajante. Era apenas um vagabundo miserável. Marginal. Acomodado. Tinham repulsas por ele... Temiam-no.
Deitou-se só sobre a calçada. Não havia terra. Não havia grama ou flores... Existiam, mais eram falsas. Contemplou o letreiro anunciando um motel barato. Fechou os olhos... Deixou que suas pálpebras lentamente descansassem... Sentiu como era boa a sensação... Trancou teus ouvidos... Não queria ouvir mais nada... Tudo silenciou-se... Escureceu...


Havia há muito que o homem domara as Máquinas. Haviam há muito criado uma nova era... Não contavam-se mais os dias. Não contavam-se mais as noites. Dia e Noite não mais existiam... Não adormeciam. Não descansavam. Eram incansáveis. E assim deveria ser. Se lhe incomoda-se a Luz, tratava de apaga-la. Se lhe incomoda-se a escuridão, tratava de dissipa-la.
O tempo. Os minutos... Segundos que voavam sem parar... Sem um destino concreto. Eles apenas voavam, pois gostavam de voar... Voavam e sentiam a brisa acolhedora sem importar-se com absolutamente nada... Voavam os segundos diante da morte... Voavam os segundos diante da vida... Voavam os segundos diante dos choros... E desapareciam diante dos sorrisos...
Nome? Nome. Qual era mesmo? Os homens por um tempo chamavam-me de Governador... E não podiam lutar contra.  Não podiam tocar. Não podiam atingi-lo... É verdade que sempre tentaram engana-lo... É verdade que sempre atentaram contra ele... Mas não podiam toca-lo. Nada poderia toca-lo, mas tudo sempre se torna velho. Defasado. Mentiras. Verdades. Verdades eram mentiras e mentiras verdades... E assim até o infinito. Sim. Esta sim é a minha morada. Sem fim. Sem começo. Um eterno constante. Um eterno. Apenas eterno.
Voei... Senti a brisa acolhedora sem importar-me com absolutamente nada... Retornei a passados inexistentes. Deitei-me. Repousei-me sobre as águas... E adormeci. Sonhei.
Era uma grande casa de velhas madeiras. Viam-se as almas da guerra sobre teus entalhes. Sobre tua pintura. Sobre as tabuas e o piso de cerâmica antigo. Azul? Não sei. Talvez fosse verde. Havia muito verde lá fora. Eram enormes. Eram enormes as árvores e cobriam grande parte de tudo. De tudo ou talvez de uma parte do todo. Havia uma varanda ampla. Uma bela varanda com tapetes de linha. Não eram coloridos. Não gostavam de cor. Vermelho. Talvez o céu estivesse avermelhado com o crepúsculo daquela tarde. O vento era sussurrante. E como sussurrava enfurecido. Odiava-o. Chocava-se contra a madeira do casarão e faziam as almas gemerem. E as almas se inquietavam entalhadas na madeira.


A velha avó estava sentada em sua poltrona. O avô apenas acompanhava a movimentação, entalhado igualmente na madeira. Partira ainda no período da guerra e não vira os filhos crescerem e os netos nascerem.  Lá fora, na varanda, o pequeno garoto brincava. Recebera o mesmo nome do avô. Não gostava. Fingia que sim para agrada-los. Ele divertia-se brincando com alguns carrinhos... estava sozinho e os ventos o apavoravam. Faziam-no tremer. Os ventos chocavam-se contra as árvores e sussurravam o medo e a morte... Podia ouvir a respiração desregular da avó. Não gostava do ronco da avó. Assustava-o. Não queria ser velho. Não queria ser velho... Os ventos gritavam de dor, a avó roncava em sono de morte, os pais sussurravam coisas incompreensíveis e os cachorros ladravam e rosnavam ferozes...
Então ele avistou um grande pássaro de assas negras, ele grasnou e voou... O menino o seguiu para mais adentro das árvores, que condessavam-se cada vez mais... Densas arvores. Perversas árvores diabólicas. Riam do pobre enquanto corria entre teus troncos. Rasgava-lhe a carne por prazer apenas porque gostavam de vê-lo sofrer... Ele estava perdido em um labirinto selvagem... O vento perseguia lhe, dizendo coisas estranhas em teu ouvido... E a ave. Aquela ave de plumas negras. Aquela ave de mal agouro. Que flutuava sobre sua cabeça. Que abriu tuas assas e estendeu tuas penas sobre a realidade. Ela estava além do sonho. Era de uma outra realidade. Uma realidade que existia e que não existia... Ele cambaleava. Agarrava-se a esperança e tomava em si a coragem e a medida que avançava, seguindo o grande pássaro negro, mais nítidas tornavam-se as vozes de teus pais que agora mais pareciam gritos...
Caiu. Sangrou. Queimou. Sentiu a dor. Olhou para o céu... Oh! Escarlate evocado pelas luzes divinas dos santos. Escarlate céu que queima. Que arde e que queima. Escarlate de sangue e de desejo. Nuvens de fogo em céu de lava. Era vulcão. Era calor. Contemplou. Admirou. Teus olhos avermelhados que refletiam a maldade. Teu corpo marcado pelo vermelho. Tomou-o. Embebedou-se. Tragou tudo de uma vez. Engoliu. Oh profundezas infernais terra mãe das desgraças e das bestas que alimentam os pobres tolos com teu pão de cevada amarga. Pão de trigo despótico...
Fechou os olhos. Deixou que a escuridão o inunda-se. Deixou que nada mais existisse a não ser o nada... Sorriu feliz com o nada.



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